Exposição coletiva "Arte x Publicidade"
23 de março a 8 de maio de 2016 - MARGS
Exposição "Unidade MGO" - 03 a 30 de maio de 2016.
Curadoria Michele Martines e Fabrízio Rodrigues
Estação da Cultura, Montenegro/RS
Curador artista também expõe =] Unidade MGO
Acima: Meu duplo assistindo televisão, 2005.
Abaixo: Emoção pra valer e I wanna be sedated, 2003.
PROVOCAÇÕES AO OLHAR
“A observação é o princípio
de minha prática pictórica.” Acompanho o trabalho de Michele Martines já há
alguns anos e atesto que a afirmação permanece verdadeira, no sentido de fundar
o trabalho da artista. O conceito de observação pode ser entendido, aqui, tanto
como ato realizado pelo olho que deseja ver, quanto como do pensamento que
deseja conhecer e entender o que é feito, como é feito e porque é feito,
relacionando-o com a história e a memória da prática artística e pictórica.
À observação seguem-se
outros processos na elaboração das séries que se sucedem desde 2003: seleção,
apropriação, associação de elementos díspares e articulação dos mesmos no plano
pictórico, num fazer lentamente elaborado, nas camadas de tinta que vão se sobrepondo
e, quiçá, juntando-se a outras matérias em alguns momentos. É perceptível que
as decisões no processo poético vão sendo tomadas com base em aspectos do que
foi observado e de acordo com um direcionamento dado previamente por um feixe
de intenções – que exerce um papel disparador já na escolha daquilo que vai ser
observado.
A fotografia é um meio que
auxilia neste ato de ver, na medida em que atua na transformação em imagem daquilo
que estará presente na pintura, anteriormente à sua transposição para o suporte
pictórico. A escolha da fotografia como referente é intencional, no sentido de relacionar
dados da realidade com o plano da representação, pois o que é dado pela imagem
fotográfica já não é mais a coisa em si, senão uma imagem possível da coisa.
Com a atuação sobre essa possibilidade de imagem surge ainda uma outra,
engendrada pelo uso dos meios da pintura, que é de outra ordem, mais visceral.
Aliam-se, no processo poético em questão, procedimentos de distintas naturezas:
uma parte do fazer é mediada pelo uso da máquina fotográfica e de outros
aparatos tecnológicos (como a projeção, por exemplo), e outra parte é construída
pelo labor manual inerente às práticas do desenho e da pintura. Em ambas, se
faz presente a subjetividade da artista, que escolhe o que e como fotografar e
o que e como pintar, a partir das fotografias.
Observando a série Cenas
urbanas, sabemos de antemão, pelos títulos, e por elementos constantes nas
telas, que se tratam de vistas da paisagem urbana, frequentada e fotografada por
alguém que esteve lá – pelos escritos da artista sabemos que ela mesma
fotografa lugares que visita, com intenção de fazer suas pinturas. Poderemos
até reconhecer alguns dos lugares, se os conhecermos. Mas não será o mesmo
lugar que conhecemos. O tratamento dado à imagem produz um efeito de
estranhamento. O modo de utilizar a cor, especialmente, produz uma outra visão
do que é familiar. Cria-se uma visão particular da realidade, que não é mais
aquilo que representa. Talvez seja mais da ordem do real, entendido como aquilo
que subjaz ao olhar, como o que escapa, que é fluido e não se deixa fixar.
Poderíamos associar as
sensações produzidas por esta série a algumas produzidas por pinturas de Edward
Hopper ou de Giorgio De Chirico? Penso nos vazios que entremeiam as figuras, no
corpo se deslocando pelo espaço arquitetônico, fugaz e absorto em elucubrações
indecifráveis, projetando ou não suas sombras e desfilando seu anonimato. Mas,
aqui, de maneira mais leve, matizada pela suavidade da paleta utilizada. Estas
figuras contam alguma história? De quem é esta memória? Os “orelhões”, os
postes de luz, as caixas de correio e outros apetrechos do cenário urbano estão
lá, impondo-se à passagem dos corpos e à passagem de nosso olhar desejoso por
ver. Nesta série somos confrontados com nosso desejo de ver os detalhes, as
minúcias, de apreciar aquilo que o olhar atento da pintora nos ajuda a
enxergar, através de seus filtros de luz, de cor, de foco... Mas só enxergamos aquilo que nos é dado a ver
pelas escolhas da artista. Talvez sejamos impedidos de ver o que mais nos
interessaria, em função destas escolhas. Há um jogo aí, entre o que procuramos
e o que encontramos para olhar. Queremos ver uma caixa de correio em primeiro
plano, ao lado de um poste enferrujado e na frente de uma lixeira cor de
laranja? Ou estes elementos barram nossa sede de olhar mais além? Para o quê?
De igual forma, na série
Abuso, em que o que se põe em primeiro plano é o corpo masculino, há um jogo do
olhar. Aqui, a figura do corpo sobressai, ocupando quase a totalidade da tela.
Mas, em vários trabalhos da série, é uma figura que se mostra e se esconde, ao
mesmo tempo. Quer-nos capturar, mas não se dá em sua inteireza. Mesmo quando o
corpo se apresenta em sua inteireza, outros elementos, estranhos, impedem de o
vermos na totalidade. Se a artista compõe uma espécie de catálogo, com
idealizações contemporâneas da figura masculina, nos confunde ao associá-las a
elementos publicitários de certos produtos comerciais – todos eles associados a
algum dos sentidos do corpo, que atenderiam, pois, a outros desejos e a outras
pulsões que não apenas ao olhar. A que apelos nos remetem estas imagens?
Acresce que os letreiros remetem a embalagens de produtos estrangeiros, com design reconhecível em produtos de
meados do século XX ou até anteriores.
Afora estas questões, que
conexões se estabelecem com a realidade nesta proposição? As imagens têm um
apelo realista, querem nos convencer a uma escolha, (partindo da ideia de
catálogo, presente no trabalho, e incluindo a ideia de coleção, na medida em
que nos oferece para ver aquilo que o olhar da artista selecionou e determinou
configurar no rol do que escolheu para pintar), porém nos apresentam o produto
de uma construção pessoal, minuciosamente composta a partir de outras imagens,
de fotografias ou da internet. Estão, portanto, distantes de qualquer referente
da realidade. São fantasia, ficção, verossimilhança. Não obstante, operam com
elementos do desejo e, portanto, do real, como entendido pela teoria
psicanalítica. Aproximam-se, de certa forma, dos ideais antigos de busca pela
beleza ideal, atingível somente no plano das ideias.
Esta série surge de uma
trajetória de produção em que a artista se projetou em figuras femininas, com
referência na história da arte, e com alusões à intimidade de sua vida
cotidiana, desembocando na inversão da tradicional relação pintor e modelo.
Agora é a pintora que retrata a figura masculina, idealizada, objeto do desejo
feminino. E o âmbito da intimidade pessoal se desdobra na intimidade do outro –
alteridade – emoldurada pela figuração geométrica de azulejos de quartos de
banho, correspondentes ao que pode ser entendido como um cenário privativo, que
só se revela na medida em que deseja se revelar.
O trabalho de Michele
Martines provoca a criação de um campo reflexivo, de reverberações entre
elementos diversos, com a marca da ambigüidade, nos remetendo à ambigüidade
presente em nós mesmos e nos proporcionando a criação de projeções pessoais,
especulares e fantasmáticas. Oportuniza, também, o estabelecimento de relações
entre produções contemporâneas e históricas no campo da pintura e de outras
formas de representação, que põem em jogo o olhar.
Prof.ª Dr.ª Andrea Hofstaetter
Departamento de Artes
Visuais/IA/UFRGS
A rua no shopping
Plotagem das obras Rua da Praia I, II e III - série Cenas Urbanas.
Ocupação na expansão do Shopping Iguatemi, Porto Alegre.
Aura Ocupa, Galeria Pop Up Aura.
Diálogos
Versando sobre meu processo de criação artística, segue o link para entrevista concedida à Talitha Motter, para o blog Diálogos, da galeria Aura:
Revista Dasartes # 45
Garimpo – Michele Martines,
texto de Elisa Maia.
“Tobias”, “Renato” e “Miguel” pertencem à
série de pinturas intitulada “Abuso”, de Michele Martines. Cada uma das telas,
batizada com um nome próprio, exibe uma figura masculina em uma situação que
remete aos anúncios publicitários. Para compô-las, Michele parte de imagens
fotográficas pesquisadas na internet, mesclando-as e manipulando-as de forma a
alterar as legendas, as cores e padronagens de acordo com a proposta de cada
trabalho. Com a referência em mãos, a artista parte para a pintura, meio que
define como um “amor verdadeiro” - “sempre senti prazer no fazer
manual, em misturar cores, arrastar o pincel sobre a tela e vencer o desafio da
imagem”, conta.
Ao pintar corpos de homens, Michele parece
inverter a lógica da extensa iconografia na qual a mulher figura como objeto do
olhar masculino. Desde as pinturas renascentistas até as campanhas
publicitárias, que lançam mão de corpos atraentes como elementos centrais de
persuasão, predominou uma relação na qual o homem participa como o sujeito que
olha, enquanto a mulher, cuja imagem foi associada às noções de beleza, graça e
suavidade, comparece como objeto deste olhar. A artista conta que a série Abuso
foi então motivada por um questionamento - “por que a beleza física do corpo
masculino ainda é tão pouco explorada na pintura?”
meu ano sabático
Eu, que costumo ser mais na minha do que falante, tive em 2015 meu ano mais solitário e introspectivo. Do mar aos Pampas, 50 dias num convento, muitos dias no atelier: pintura, música e reflexão. Aprendi ensinando. Sem exposição. Na última semana do ano ajudei uma criança de 5 anos a montar um cavalete. Ele fez seu desenho inaugural e narrava os significados. Uma limusine com muitas portas, para caber toda a família. Transformou-se em um ônibus espacial que ia levar todos os familiares para outro planeta: o planeta onde a gente perde o medo. Me tocou porque é ponto crucial de meu período reflexivo. Alguns medos devem ser deixados. Medos infantis. 2015 foi o ano de livrar-me do medo.
Pequenos Soluções / Distâncias V - fronteiras
Pequenas Soluções, 10 x 20 cm,
tinta acrílica sobre papelão e espuma, 2015.
Artistas: Daniel Vêrsa, Leila Cesarino, Luisa de Leonardis, Jader Santini,
Marçal Rodrigues, Michele Martines, Noemi Cavalheiro, Osmar Santos.
Marçal Rodrigues, Michele Martines, Noemi Cavalheiro, Osmar Santos.
Sala de Cultura de Santana do Livramento
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